Adoção Interracial ou a conta que não fecha

O Estatuto da Criança e do Adolescente ECA (Lei 8.069 de 1990) traz em seu artigo 87, como uma das linhas de ação da política de atendimento ”  campanhas de estímulo à adoção interracial, a adoção de crianças maiores ou adolescentes, crianças com necessidades específicas, com deficiência e grupos de irmaos.”
Esse inciso foi acrescentado ao ECA em 2009, pra tentar resolver um problema: as crianças e adolescentes que não são  adotados. De acordo com os dados do Cadastro Nacional de Adoção,  em 2018 no Brasil eram 45.923 pessoas em condição de adotar e 9.566 crianças e adolescentes em condições de serem adotadas. Em termos matemáticos, temos quase 4 crianças pra cada pessoa que quer adotar. (matemática nunca foi meu forte).


Bom e o que tudo isso tem a ver com adoção interracial? Conta simples.
Enquanto a maioria das pessoas querem adotar crianças brancas,  a maioria das crianças e adolescentes  que devem ser adotadas  são negras. Aí,  a proposta do ECA, especificamente em relação a adoção interracial  é estimular que as pessoas queiram adotar crianças diversas. E aqui tá o ponto chave da minha crítica. Isso não resolve. Não é esse o ponto.A conta já não é mais simples. É no mínimo uma equação composta. De verdade, a adoção interracial é só uma medida pra atenuar o racismo que estrutura a sociedade brasileira.

Na boa, eu estou pouco me lixando pro casal branco que não quer adotar o moleque preto. Eles são a menor parte do problema. Ou talvez nem sejam o problema. Eu, por exemplo, se fosse adotar, ia querer adotar uma criança negra. Porque quero alguém com características físicas parecidas com as minhas. Porque não quero todo mundo me perguntando sobre a origem do meu filho ou filha… E assim por diante. Longe de passar pano pra branco, eu insisto em dizer que o casal branco que não quer uma criança negra não é o problema da adoção interracial.

O problema  na verdade, é antes de essas crianças e adolescentes  estarem  disponíveis pra adoção. Porque será que a maioria delas são negras? Será que nós, povo preto, não sabemos cuidar de nossas crianças? Ou será que existe um sistema muito mais atento pra nos vigiar e punir? Será que não nos responsabilizamos por nossas crianças  e adolescentes,ou na maioria das vezes não temos acesso as condições mínimas de sobrevivência?

O sistema judiciário, em geral, é racista. O Conselho Tutelar, em geral, racista.  A estruturação das políticas públicas em geral , racistas. Isso rebate diretamente em nós, povo preto,  que  somos na maioria das vezes quem perde os filhos porque, na alegação judicial, não estamos cumprindo nossos “deveres ” em relação a eles.

Portanto, não adianta só  incentivar a adoção interracial. Isso vai resolver  pouca coisa. Pra ser efetivo mesmo, é necessário questionar e enfrentar o RACISMO ESTRUTURAL  no Brasil. Algo muito mais difícil, pesado e indigesto. Não é tão “lindo” como campanhas  pra incentivar a adoção. Não é tão “solidário” quanto criar um grupo de apoio a adoção. Mas é o único jeito de  começar de fato a propor mudanças.

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