Racismo institucional: conversas remotas numa sexta-feira 13

Hoje, sexta-feira 13 de agosto de 2021 tive a alegria de conversar com trabalhadoras e trabalhadores da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social da cidade de São Paulo, na Jornada de Estudos, Pesquisas e Publicações na área da Assistência Social.  Compartilho com vocês aqui um texto resumo das reflexões que pude apresentar e dialogar. O que a sexta-feira 13 tem a ver com isso? Absolutamente nada. Só uma coincidência de datas e uma estratégia para chamar a atenção para o texto.

O racismo institucional é aquilo que poderíamos, de uma forma bem simples, nomear como o racismo que está nas instituições, o racismo que é percebido nas instituições. Para iniciar a reflexão é necessário destacar que quando falo de racismo, estou apontando um conjunto de crenças, atitudes e valores que defendem a superioridade de uma raça e, aqui, eu falo de raça não enquanto definição biológica, mas sim uma construção social e política. Em síntese, o ponto de partida para conversarmos sobre racismo institucional é entender que do ponto de vista social e político existem raças diferentes no Brasil e um sistema que coloca uma raça como superior e as demais como inferiores. Esse sistema denominamos racismo.

As instituições no Brasil têm esse racismo em sua forma de organização. Todas as instituições no Brasil são racistas com exceção apenas daquelas que em sua origem já se propusessem a ser antirracistas.  E, no histórico da sociedade brasileira eu ousaria dizer que não temos nenhuma instituição antirracista, apenas movimentos e organizações.

Assim, mesmo que na instituição nunca tenha existido nenhum caso de racismo explicito, mesmo que ninguém nunca tenha denunciado, as instituições são racistas.Tá passadah? Vamos lá que eu explico por quê.

O racismo no Brasil está na própria estrutura da sociedade brasileira (Silvio Almeida, Racismo Estrutural). As relações sociais, culturais, econômicas, politicas, religiosas são permeadas pelo componente racismo, resíduo da superestrutura escravista e ao mesmo tempo da reformulação ocorrida na sociedade de capitalismo dependente que se desenvolve no país no Pós Abolição. (Clovis Moura, Sociologia do Negro Brasileiro)

Ora, se o racismo está na própria estrutura da sociedade brasileira, as instituições que não se atentem a isso de forma crítica, buscando questionar essa lógica, estão “naturalmente” reproduzindo tal lógica, configurando o que denominamos de racismo institucional, ou seja, o racismo próprio da estrutura da sociedade brasileira, mas que se configura e se expressa através das peculiaridades das instituições. Racismo que se apresenta por exemplo nas relações entre os trabalhadores das instituições; racismo que se manifesta no atendimento ao publico alvo dos serviços, racismo que está explicito muitas vezes na própria cultura institucional.

O racismo da estrutura da sociedade brasileira pode ser visto em todas as dimensões da vida em sociedade. Eu vou repetir: EM TODAS. Vou abordar aqui quatro dimensões, mas convido você a fazer o exercício de pensar outras e você vai perceber que está em todas as relações sociais no Brasil.

A primeira dimensão que quero destacar é a da linguagem. A língua falada e escrita é viva e vai incorporando neologismos, expressões, palavras. Todos eles repletos de sentido e que no caso do Brasil, vão ter sentido histórico carregado de racismo, como é o caso das seguintes palavras e expressões: denegrir, preto da alma branca, dia de branco, criado mudo, cabelo ruim, serviço de preto… e tantas outras que demarcam um lugar explicito. Isso pode ser visualizado por exemplo, quando nas instituições que trabalham com a política de assistência social os trabalhadores têm dificuldade de falar sobre a cor e /ou raça das pessoas em dados oficiais, quantitativos e qualitativos mas sabem muito bem utilizar essa mesma cor/raça para descrições pejorativas.

A segunda dimensão diz respeito a estética. Historicamente, tudo que está relacionado a população negra ou é visto como feio ou é caricaturizado. Os mais resistentes a entender o racismo vão dizer… ah mais isso está mudando. Eu questiono. O padrão do que é belo no Brasil ainda é branco, ocidental, europeu. Isso serve desde as artes, até a aparência física e quaando se trata por exemplo de usuários dos serviços socioassistenciais, os traços negróides continuam sendo associados a aspectos negativos, não estão por exemplo nas campanhas publicitarias, não fazem parte de forma positiva do dia a dia nas instituições.

A terceira dimensão diz respeito a religiosidade. As religiões de matriz africana são vistas como religiões a serem combatidas, destruídas. E não é uma questão de fé, como alguns tentam destacar, afirmando que o Brasil é um país cristão, católico. Se a questão fosse fé, a “intolerância” (como alguns insistem em dizer) seria com todas as demais religiões. E não é. Quantos templos budistas no Brasil já foram atacados? Quantas centros espíritas foram vandalizados? Não é intolerância.  Não é questão de fé. É racismo.

E a última dimensão diz respeito ao mercado de trabalho. As pesquisas do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) sempre escancaram como o mercado de trabalho no Brasil é estratificado, racializado e desigual. Existe uma divisão racial do trabalho, onde pessoas negras vão ocupar na maioria das vezes os cargos menos remunerados e sem reconhecimento social.

Essas são algumas das dimensões onde é possível observar o racismo que está na estrutura da sociedade brasileira. Observem que eu nem falei da segurança pública, do sistema judiciário, do sistema penitenciário. É assunto para livros e mais livros.

Talvez você esteja se perguntando: E o que tudo isso tem a ver com as instituições? Ou, o que isso tem a ver com a instituição onde estou? Simples: Se a instituição não sai do lugar cômodo de negar o racismo, ela reproduz na cultura institucional o racismo estrutural. Não é uma coordenação, uma chefia, um departamento apenas. É necessário questionar a lógica institucional e ir desvelando o racismo presente no cotidiano das relações de trabalho, nos atendimentos com o público usuário dos serrviços prestados, nos espaços físicos, nas normas.

Para encerrar esse texto, deixo duas considerações sobre estratégias para enfrentar o racismo institucional: 1. Observar as relações sociais nas instituições e perceber como elas são permeadas por crenças, valores, comportamentos típicos da sociedade brasileira e portanto, profundamente racistas. 2.A partir dessas observações ir desvelando a realidade institucional, percebendo o racismo e ir buscando formas de enfrentá-lo a partir da própria realidade institucional… com a própria cultura, os próprios recursos, as próprias peculiaridades. É preciso reconhecer privilégios, é preciso reconhecer erros e comportamentos racistas, é preciso adotar comportamento de mudança.

O que não dá mais para fazer é fechar os olhos e adormecer em berço esplêndido enquanto o racismo continua negando oportunidades para milhões de brasileiras e brasileiros.

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