Ética, Estética e a minha sopa de abóbora com croutons de pão integral

Gosto de cozinhar. Cozinho desde a minha adolescência. Mas além de cozinhar, gosto da arte culinária e já faz algum tempo que  venho pensando na chamada “gourmetização” da alimentação. 

A explosão dos reality shows de culinária, com seus masters  chefs… o aumento de produtos na linha “gourmet” entre outros aspectos. Mas antes que pensem que vou fazer uma crítica simplista a esse processo dos “master chefs” da vida,  eu quero na verdade dizer da importância da beleza no preparo da alimentação.

Lembro da minha mãe dizendo que “primeiro a gente come com os olhos”.  Mas, cada vez mais, somos convidados a olhar os masters chefs como algo distante do nosso cotidiano, como se a gente não pudesse comer bonito.

As nossas comidas do dia a dia são saborosas, nutritivas, mas a gente não se preocupa tanto com a beleza delas. É quase como uma perda de tempo, uma certa  “frescura”, uma coisa sem importância. Vez ou outra se escuta por ai que o que importa mesmo é a comida sustentar a gente… beleza não enche barriga e outras coisas assim. 

Isso, na minha leitura, é reflexo de uma mentalidade cartesiana e capitalista que separa as coisas entre úteis e inúteis. Tal (ir) racionalidade é utilizada sobretudo pra dizer quem vai ter acesso ao quê e,  portanto, comidas preparadas e servidas com uma preocupação também de boniteza, não são prá todo mundo. É pra gente olhar e se colocar no nosso lugar.

E essas reflexões me levam ao debate de ética e estética, ou em termos bem sintéticos, essência e aparência, ou ainda, em termos culinários, sabor e “cara” do prato. Não  podem ser vistas de forma hierarquizada e sim como ângulos de uma mesma realidade.

E aqui vale dizer que a utilização de essência e aparência é só pra ser acessível. Estética não é só aparência. Pra se ter estética faz se necessário a ética, ou seja, os valores que sustentam o que vai aparecer. Só consegue ser de fato belo,  aquilo que está sustentado em valores verdadeiros. E não é possível ter valores verdadeiros e não deixar aparecer a boniteza.

A minha sopa de abóbora cambotiá ficou uma delícia. Cozinhei a abóbora apenas com água e sal. Depois de cozida, amassei a abóbora e a refoguei na manteiga com alho. Coloquei bastante leite, deixando bem líquido. Aí fui mexendo, cozinhando, deixando o leite secar e a sopa ir ficando com uma consistência cremosa. Ficou  maravilhosa. Nutritiva.  E vocês já entenderam que eu estou falando de valores, de essência, de sabor.

Mas se eu apenas  colocasse essa sopa no prato, não faria jus a delícia dela. Coloquei numa vasilha especial. Salpiquei cheiro verde e queijo parmesão e servi com croutons de pão integral. Os croutons de pão integral eu fiz picando as fatias de pão em cubos e colocando pra torrarem na frigideira  numa mistura de azeite e orégano. Estética.  Não é só aparência. É o que traz a essência para a superfície, o que mostra a essência.

Culinária na minha opinião tem a ver com tudo isso.. com ética e estética…  com  sabor e boniteza. É  o que o grande capital tenta nos tirar ao nos empurrar “big macs” todos padronizados e sem beleza alguma, enquanto ao mesmo tempo, nos esfrega na cara os pratos master chefs, reforçando mesmo que não percebamos,  que não é pra todo mundo, que não é acessível, que a gente não tem tempo. Comer com beleza? Não é pro trabalhador. E aí vamos nos perdendo.

Não temos mais rosa de tomate na maionese de domingo. Não precisa. O que importa é comer. E a gente não é master chef né? Penso diferente. A forma como servimos o prato é  tão importante quanto o próprio gosto do prato. Sabor e visual. Ética e Estética. Inseparáveis.

Acharam viagem demais essa mistura de filosofia com culinária?  É um pouco de Tais.  Lembro do professor Gustavo, da disciplina de filosofia na Unesp Franca, quando ele  fala da crítica de Marx aos jovens hegelianos.  A filosofia, assim como arte e a religião, não devia existir.  Sim, não deviam existir como algo separado. Deveriam ser parte da própria vida humana. Filosofemos pois. Inclusive enquanto cozinhamos.

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