“A contagem dos sonhos” de Chimamanda Ngozi Adichie

Antes de começar, é importante dizer que esse texto está cheio de spoilers, não só do livro do título, mas também de Hibisco Roxo e de Americanah, livros de Chimamanda.

Eu conheci a escrita da Chimamanda com o livro “Hibisco Roxo”. Lembro que fiquei semanas impressionada e a cena do pai Eugene, jogando água fervente nos pés dos filhos para ensiná-los como seria “caminhar no fogo do inferno” demorou meses para sair da minha cabeça. A junção de elementos como gente preta rica na Nigéria, colonialismo, religiosidade e patriarcado me surpreendeu de um jeito único. E aí fiquei encantada com a Chimamanda.

Bom, depois fui ler “Americanah” e de novo um impacto maravilhoso. Eu sou romântica né? Sofro de um romantismo incurável. E aí a história de Ifemelu e Obinze me encantou. Sim, o livro tem uma discussão fantástica sobre identidade, sobre ser imigrante, mas o pano de fundo, na minha opinião (E nesse texto, só ela importa hahahahah) é sim o amor dos dois. O reencontro no final é para deixar qualquer noveleira com o coração quentinho.

E então, em 2025 saiu o novo livro da Chimamanda. A contagem dos sonhos. Fiquei ouriçada para comprar e começar a ler. E aí fui me decepcionando rsrsrsrsrs A proposta do título, da capa, toda a divulgação acerca do livro foram envolventes demais e o livro não corresponde.

No livro, Chimamanda traz a vida de quatro mulheres, entrelaçando a vida delas na narrativa. Chiamaka, Zikora, Kadiatou e Omelogor. A autora divide o livro em cinco partes, narrando a vida de cada uma delas. Chiamaka é quem abre e fecha o livro (tem duas partes dedicadas a elas) e quem motiva o título do livro. É nigeriana, podre de rica e vive nos Estados Unidos. Zikora é sua amiga, Omelogor é sua prima e Kadiatou é sua empregada.

A proposta inicial foi linda. Durante a pandemia, no confinamento, Chiamaka começa a repensar a própria vida. Vale a pena trazer um trecho.

Um dia, em meio a essa nova vida suspensa, encontrei um cabelo branco na cabeça. Apareceu da noite para o dia, perto da minha têmpora, bem crespo, e, no espelho do banheiro, a princípio, achei que fosse um fiapo de roupa. Um fio branco solitário, com um leve brilho. Estiquei-o completamente, soltei e depois estiquei de novo. Não arranquei. Pensei: estou ficando velha. Estou ficando velha, o mundo mudou e ninguém nunca me conheceu de verdade. Uma torrente de pura melancolia encheu de lágrimas meus olhos. Isso é mesmo tudo, esse frágil inspirar e expirar. Para onde foram todos os anos, será que aproveitei a vida ao máximo? Mas qual é a medida absoluta de aproveitamento máximo da vida, e como eu poderia saber?

Mas infelizmente, essa proposta mais reflexiva e poética se perde e a contagem dos sonhos na verdade é uma contagem que ela começa fazer dos homens que namorou, ou seja, das vezes que sonhou em encontrar o amor da sua vida. Achei pequeno. A personagem em si não me agradou, uma existência fútil, beirando a mediocridade.

A outra personagem, Omelogor, também não me convenceu. Ela fica rica através de falcatruas em bancos e depois cria uma empresa para distribuir dinheiro roubado para mulheres pobres empreendedoras. Achei legal essa parte, o fato de ela dar o nome de Robyn Hood a empresa, e mais legal ainda a explicação que ela deu sobre escolher esse nome: Um certo nível de descaramento dever ser descarado até o fim. Mas foi só.

Omelogor é o estereótipo da executiva linda, autoritária e sarcástica que dorme com o homem que quer. Talvez o mais legal dessa parte seja os indícios da perturbação que a personagem sente em relação a sua amiga Hauwa, e que na minha opinião é um indício de que a personagem seria lésbica. Não seria nada nada original, mas a autora poderia ter explorado melhor esse indicativo.

E aí tem as duas personagens que me agradaram. A primeira Kadiatou, eu gostei por uma questão de identidade de classe mesmo. Rsrsrsrs É a única pessoa pobre do livro, que precisa se virar para trabalhar e cuidar da filha. E é a que mais sofre também. Fiquei muito impressionada com a situação do estupro que a personagem sofre enquanto trabalhava como camareira no hotel. Mas enquanto lia, parecia que conhecia essa parte da história. No final do livro, li a nota final da Chimamanda e vi que conhecia mesmo a história. A personagem foi inspirada na camareira Naffissatou Diallo que em 2011, denunciou um ex-diretor do Fundo Monetário Internacional por tentativa de estupro no quarto do hotel em que ela trabalhava, em Nova York. Ou seja, perdeu um pouco da originalidade.

E deixei por último a personagem que mais gostei: Zikora. A maternidade inesperada muda a vida e as perspectivas da amarga e determinada Zikora. E nessa mudança, na maternidade, ela reencontra o cuidado de sua mãe, uma mulher tão dura quanto ela. Infelizmente é a parte mais curta do livro, mas a melhor, mais rica, mais envolvente. Vejam esse trecho final:

Sua mãe estava rindo. Zikora nunca tinha visto um deleite tão óbvio no rosto da mãe. Os bracinhos do filho estavam erguidos no ar, como se ele estivesse fazendo uma saudação ao sono. Aquilo a fez rir também. Mais tarde, quando ele acordou, Zikora viu sua mãe niná-lo, tocando a pele de seu rosto com o rosto dela. Nne. Que benção pode ser maior do que essa? Perguntou a mãe.

A enorme vontade que Zikora vinha sentindo nos últimos dias, de pedir desculpas a mãe, só crescia. Mas ela não sabia como colocá-la em palavras e ainda não sabia pelo que pedir desculpas. Ou talvez fosse porque um mero pedido de desculpas parecesse inadequado, um gesto tão pequeno e tão tardio que seria melhor nem fazê-lo. Zikora olhou a mãe, que estava esfregando as laterais do nariz onde os óculos tinham deixado pequenos entalhes na pele.

“Mamãe, não sei o que vou fazer quando a senhora for embora”, disse ela.

“Meu visto é de longa estada”, disse a mãe. “Não vou a lugar nenhum por enquanto”.

O reencontro com a própria mãe (e que nem sempre é legal e positivo) quando a gente se torna mãe, é emblemático demais. Só pela parte da Zikora valeria a pena o livro, mas são apenas 59 páginas de um total 415 páginas. Talvez a contagem de sonhos pudesse ser sobre os sonhos que a gente abre mão para fazer nascer outros sonhos quando nascem nossos filhos. E, a partir da minha experiência, eu vou dizer que os sonhos de agora são muito maiores que os de antes.

Mas a contagem dos sonhos do livro da Chimamanda, fala de sonhos que não fizeram nenhum sentido para mim. Enfim, escolhas literárias.

E você que já leu, o que achou?

DEIXE AQUI SEU COMENTÁRIO:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.