Conselho Tutelar e rede socioassistencial: desencontros históricos

Desenvolvemos capacitações para Conselhos Tutelares desde 2014. Nesses 07 anos muitas coisas mudaram. Contudo, os desencontros entre conselho tutelar e rede socioassistencial permanecem, o que além de deixar o ambiente de trabalho praticamente insuportável, tem um efeito muito mais nocivo que é a desproteção da criança e do adolescente. Desproteção na medida em que, quanto mais prevalece a disputa sobre de quem é a responsabilidade no trabalho, menos se desenvolvem ações efetivas de proteção/promoção/defesa dos direitos da criança e do adolescente. Gasta-se muito mais tempo e energia disputando de quem é a responsabilidade do trabalho em si, do que efetivamente fazendo esse trabalho. Longe de tentar achar culpados ou de me posicionar cegamente ao lado de um ou outro, esse texto tem como objetivo colocar algumas questões que possam contribuir para reflexões e quem sabe mudanças no trabalho cotidiano.

  1. Para a rede: Entendendo o Conselho Tutelar

Vez ou outra escuto algumas idéias tortas (na minha visão, evidente) sobre o fato de que todo Conselho Tutelar deveria ter profissionais como assistentes sociais ou psicólogos. Escuto também que para ser Conselheiro Tutelar deveria ter uma formação nessas áreas. Nada mais descontextualizado do propósito do Conselho Tutelar, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente. O Conselho Tutelar é um órgão que tem como objetivo principal “Zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente”. Ora, o que é zelar? De acordo com o Dicionário: “zelar é vigiar, tomar conta com toda atenção, cuidado, interesse.” O Conselho Tutelar existe para vigiar os direitos da criança e do adolescente, para acompanhar, fazer valer. Não precisa de psicólogo no Conselho Tutelar. Precisa de psicólogo na rede, para atender quando o Conselho Tutelar (ou outros órgãos) solicitarem. Vamos ter pedagogo no Conselho Tutelar para atender as crianças com déficit educacional? Vamos ter médico no Conselho Tutelar para atender as crianças que precisam de atendimento médico?  Evidente que não. Porque o objetivo de existência do órgão Conselho Tutelar não é o do atendimento direto, da execução dos direitos da criança e do adolescente. Isso é trabalho da rede. O Conselho Tutelar existe para zelar pelo cumprimento desses direitos e para isso os Conselheiros Tutelares não precisam de formação superior, não precisam de formação em áreas das ciências humanas ou sociais. Precisa sim de capacitação técnica e política em relação aos direitos da criança e do adolescente.

  • Para o Conselho Tutelar: Entendendo a rede

Percebo que muita coisa mudou em relação ao Conselho Tutelar nesses 07 anos. Mas, mesmo com mudanças, não houve na minha opinião avanços significativos e acho que isso se dá porque tem muita informação errada circulando.

O Conselho Tutelar tem procurado se capacitar quase que exclusivamente entendendo quais são suas atribuições. E tem feito isso na maioria das vezes com ex-Conselheiros e ex-Conselheiras, que falam das atribuições como se fossem isoladas. Essas capacitações (algumas com nomes famosos no Brasil) falam como se existisse apenas o Conselho Tutelar na cidade. E aí temos Conselheiras e Conselheiros que tem na ponta da língua o que são as suas atribuições mas não fazem a mínima idéia de como funcionam os serviços, os programas e projetos no município. Ficam isolados e isoladas com a capa do “Super Conselheiro”, o escudo do ECA e os olhos fechados para a realidade do município. Essa postura não avança, pelo contrário, só desgasta.

  • Como promover o encontro entre rede e conselho

Longe de apresentar uma saída única, descontextualizada da realidade de cada município, penso que essas saídas devem ser pensadas a partir da realidade local. Mas como principal estratégia eu aponto a necessidade de PACTUAR. Rede socioassistencial precisa entender o papel do Conselho. Conselho Tutelar precisa entender o papel da rede. A partir desse entendimento, vai se perceber que tem coisas que o Estatuto da Criança e do Adolescente não aprofunda. Por exemplo, entre as atribuições do Conselho Tutelar está atender crianças e adolescentes em situações de ameaça ou violação de direitos e prática de ato infracional. Mas no cotidiano, o que é esse atender? Significa visitar? Significa conversar? Significa encaminhar? Eu respondo: Significa o que PACTUARMOS no âmbito da política municipal de atendimento aos direitos da criança e do adolescente. Não está pronto. Não está determinado. Podemos e precisamos construir. E pra isso, só dialogando, entendendo, conversando.  Se a gente quer de fato construir a política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente, rede não pode desqualificar o Conselho Tutelar e Conselho Tutelar não pode tentar se sobrepor a rede.  A relação não é vertical. Ou entendemos a horizontalidade ou vai continuar na mesma “ladainha” de sempre. Enfim, só algumas reflexões.

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