Marx e a falta de água no meu bairro

Hoje é domingo e não tem água na torneira da rua aqui em casa. Ontem era sábado e também não tinha água na torneira da rua. Entre ontem e hoje, na madrugada, chegou a água. De manhã ainda tinha e, quando foi por volta das dez horas da manhã, a água acabou. Assim tem sido os dias. Sem água na torneira durante o dia e com água na torneira durante a madrugada.  Sim, é um RACIONAMENTO. Em letras garrafais. Um RACIONAMENTO do qual não fomos avisados e sobre o qual não fomos consultados. A título de contextualização, moro em um bairro de periferia.

Gradativamente uma parcela da população (a classe trabalhadora, diga-se de passagem) vai perdendo o acesso a água. Não podemos lavar o quintal, não podemos tomar banho demorado, não podemos, não podemos, não podemos. Quando a força ideológica não produz os resultados esperados (“sabendo usar não vai faltar”), nos tiram o direito de decidir sobre nossa forma de usar a água. Simplesmente nos deixam usar a água no horário que acham melhor. E gradativamente esses horários irão ficando cada vez mais regrados. E daqui uns anos não teremos água. Simples assim.

Mas isso é resultado do mau uso, do desperdício, dirão alguns. E eu, a “La  Cumpadre Washington”, vou ter que dizer: “Sabe de nada, inocente”. O racionamento da água no meu bairro não é porque minha vizinha lava o quintal. Não é porque a filha da outra vizinha toma banho de duas horas. Não é porque eu encho a piscininha inflável das meninas. Não senhores. Não.

O racionamento é porque a água gradativamente vai deixando de ser um bem comum, de acesso a todos e vai se tornando mercadoria, bem privado.  As grandes empresas já perceberam que a água é o produto do futuro. Já estão comprando poços e lacrando, aguardando a especulação. Já estão tomando posse dos aquíferos. Furar um poço artesiano hoje? São tantas licenças, tantos documentos que só algumas pessoas conseguem. Quem são essas que conseguem? Um doce prá quem adivinhar.

O acesso a água hoje já não é pra todos. A realidade do bairro onde moro me esfrega isso na cara todo dia que abro a torneira e não tem água. A falta de água não é um problema para o futuro. Ela é já real hoje. Mas quem já está sem acesso a água? Em todas as casas de Uberaba falta água em alguns horários do dia?  Sei de lugares onde nunca falta água.

Mas essa relação do consumo de água entre casas de periferia e casas em bairros ditos nobres, ainda é simplista, já que o consumo doméstico de água é o menor na escala geral. De acordo com estudos ambientais, aproximadamente 70% da água do país vai para a agricultura, a irrigação, visando a produção de comodities internacionais. Uma outra parcela grande vai para a indústria e assim por diante.

O que estou querendo dizer é que a falta de água no meu bairro é um problema do sistema econômico em que vivemos. E como tal, quem primeiro perde o acesso é a classe trabalhadora. Evidente que existem diversos fatores envolvidos, diversas análises que precisam ser realizadas, mas tranquilamente pode-se afirmar que, não se trata apenas de uma questão de ambiente ou de preservação. É fundamentalmente uma questão de quem vai ter acesso e quem não vai. A água hoje é uma mercadoria.

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