Faz um tempinho que não escrevo nada aqui. Eu estava me situando nos novos rumos da vida. Faz aproximadamente um mês que assumi um novo cargo público: assistente social em uma universidade pública. Esse cargo tem atribuições específicas relacionadas a permanência estudantil. E aí vamos estudar né? Afinal, como assistentes sociais temos o compromisso com o aprimoramento intelectual, inclusive princípio fundamental do nosso Código de Ética. Vale ainda lembrar que esse princípio do Código de Ética também atende a uma questão muito prática: a gente precisa entender o espaço onde está, entender a realidade para nela intervir.
Bom, a política nacional de assistência estudantil é de 2010, fruto do processo de expansão da Universidade pública. A população mais vulnerável chegando na universidade (território até então restrito as classes dominantes) exigiu a sistematização de ações que até então eram mais esparsas e desarticuladas. Assistência estudantil já existia antes, e eu sou prova disso. Lá em 1999, no meu primeiro ano de Serviço Social na UNESP Franca fui bolsista da antiga Bolsa PAE. (Programa de Assistência ao Estudante) Lembro do corre para abrir conta na “Nossa Caixa, Nosso Banco” e da primeira bolsa recebida. Lembranças boas.
Mas voltando ao que eu dizia, a assistência estudantil tem sua primeira sistematização em 2010 com o decreto 7234 que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Entre as coisas que mais gosto nesse programa, está o quarto inciso do artigo 2º que estabelece que entre os objetivos do PNAES, está: “contribuir para a promoção da inclusão social pela educação”. Nesse um mês de assistente social na permanência estudantil, esse é o horizonte ético para o qual tento apontar minhas ações.
Contudo, treze anos (Foi em 2010 a regulamentação através do Decreto) é pouco tempo para se estruturar de fato uma mudança de perspectiva. A assistência e a permanência estudantil ainda estão se desenhando na maioria das universidades. E se a própria política de assistência estudantil ainda não está estruturada, a práxis do Serviço Social nesse espaço sócio ocupacional também carece de definições e fundamentações. Eu estou chegando agora, mas sou intrometida: já me sinto à vontade para compartilharam algumas impressões.
Na universidade onde estou, as assistentes sociais que conheci estão na luta há anos para consolidar um Serviço Social crítico e com autonomia. Foram elas que articularam uma recepção aos novos profissionais assistentes sociais e assim tivemos um momento de troca ímpar, onde eu consegui me aproximar um pouco do histórico do trabalho dessas que ouso chamar de pioneiras. Dessas que chegaram “ quando tudo era mato” e foram abrindo caminhos, lutando inclusive para que existisse mais profissionais nesse espaço.
O Serviço Social na permanência estudantil trabalha para possibilitar que discentes tenham acesso as condições necessárias para sua formação. O público atendido é quase exclusivamente discente. O trabalho envolve avaliações socioeconômicas, entrevistas, acolhimentos, reuniões com equipe. A partir dessa minha experiência de trinta dias como assistente social na permanência estudantil, visualizei alguns desafios que compartilho com vocês. Fiquem à vontade para dialogarmos nos comentários.
O primeiro desafio que percebo para o Serviço Social é construir uma práxis que não se limite a avaliação para recebimento de auxílios. De forma geral, a permanência estudantil ainda é vista como distribuição de auxílios e o profissional de Serviço Social como o profissional que seleciona (com base em critério técnico) quem irá ou não receber auxílios. Sim, fazemos isso. Sim, selecionamos (através das documentações recebidas e entrevistas) quem vai ou não receber auxilio. Mas não é só isso. Precisamos avançar na efetivação de direitos da população discente. A permanência estudantil é direito de todos e mesmo quem não foi contemplado com auxílio tem direitos que por vezes, não são acessados por falta de conhecimento. Exemplo disso é o acesso a serviços existentes no município onde está situada a universidade. Serviços de saúde, esporte, cultura, lazer, essenciais ao desenvolvimento humano e que, se acessados, podem contribuir para uma formação profissional de excelência, uma vez que asseguram qualidade de vida a população discente. O Serviço Social pode e deve construir uma práxis fundamentada no acesso a informação, a direitos, a efetivação da educação de qualidade.
O segundo desafio que percebo relaciona-se com a mudança do perfil discente e as limitações da universidade/sociedade em reconhecer isso. Nós, do Serviço Social, que temos um Código de Ética (de novo ele) que preconiza “a opção por um projeto profissional vinculado ao processo de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero”. Esse princípio nos aponta o compromisso de assegurar portas abertas para a população discente diversa e plural que está adentrando na universidade. É preciso adequar linguagem de gênero. É preciso entender que a identidade de gênero hoje ganhou importância para uma parcela significativa da população jovem que adentra a universidade. E então é preciso rever abordagens, é preciso atualizar formas de tratamento. A questão racial ganha importância significativa já que a universidade nunca teve tantas pessoas negras em seus espaços, mas segue negando a pluralidade do conhecimento. Como essa população discente negra, cotista ou não, tem conseguido estar na universidade? Pensar isso é atribuição exclusiva do Serviço Social? Evidente que não. Mas nós temos muito a contribuir.
O terceiro e último (por hoje) desafio diz respeito a necessidade de buscar recursos técnicos para abordagens de acolhimento. Nós, profissionais de Serviço Social, antes de encaminharmos para atendimento de outros profissionais, precisamos desenvolver a escuta e o acolhimento. Mas como acolher, por exemplo, dentro dos referenciais e limites da nossa intervenção, discentes com ideação suicida, em sofrimento psíquico? Gente, eu sei que não é da nossa área de atuação e que a gente vai encaminhar para o atendimento especializado. Mas quando essa pessoa chega em nossa sala, a gente não pode simplesmente dizer vai nesse outro lugar. É preciso um primeiro contato, uma primeira acolhida. Como fazer isso? Penso que precisamos de leituras, treinamentos e porque não dizer, protocolos. Corro o risco de estar falando do que já existe. É que eu desconheço. (Aceito indicações de leituras e cursos)
Enfim, a permanência estudantil é um campo pleno de desafios e a nós, assistentes sociais, cabe compreender os limites, potencialidades e recursos desse espaço para construir uma práxis efetivamente democrática e transformadora. Eu me sinto empolgada para esse desafio. Acompanhem comigo por aqui as reflexões que forem surgindo.