Se você não conhece Viola Davis, eu vou ter que pedir para você parar de ler esse texto agora e se arrepender de seus pecados. Herege. Prevaricador infame. (rsrsrs)
Viola Davis é uma atriz negra norte americana, dona de uma voz potente, uma pele retinta e um sorriso de dentes largos. Conheci Viola Davis quando assisti “Histórias Cruzadas”. De lá para cá, sou fã incondicional.
Bom, começo do ano eu estava passeando pela Netflix e vi um documentário de 50 minutos de Viola sendo entrevistada por Oprah e falando da sua biografia “Em busca de mim” que estava sendo lançada. Fiquei empolgada, mas depois esqueci. Sim, eu sou dessas.
Mas, semana passada procurando outro livro na Amazon, achei o livro da Viola. Passei essa semana lendo aos pouquinhos, por causa do meu tempo sempre escasso.
Gostei do livro.
Imagino que algumas das coisas que ela relata, foram superdimensionadas, afinal ela é uma atriz hollywoodiana e está escrevendo um texto, selecionado, pensado. Mas algumas das coisas relatadas fizeram muito sentido para mim.
Quero destacar duas: a garotinha que corria para não apanhar e a atriz que aprendeu as técnicas e “perdeu a essência’.
Sobre a garotinha, Viola foi uma garota muito pobre e briguenta. No final da aula, sempre tinha garotos que corriam atrás dela, para a xingarem de “preta feia” e baterem. Ela corria muito para ir para casa e escapar deles. Mesmo depois quando já não corria fisicamente, ela ainda corria. Corria por não se achar bonita, corria por não se achar boa o suficiente.
“Lá estava eu, uma atriz de carreira consolidada, trabalhos na Broadway, premiada e reconhecida pela reputação de conferir profissionalismo e excelência a qualquer projeto de que participava. Por Deus, até a Oprah sabia quem eu era. Mesmo assim, sentada ali conversando com Will Smith, eu ainda era aquela garotinha negra assustada do terceiro ano. E embora estivesse a muitos anos e muitos quilômetros de Central Falls, Rhode Island, nunca tinha parado de correr. Meus pés só tinham parado de se mover. Eu tinha toda a força física do mundo, mas não tinha adquirido o domínio da coragem. Essa é a memória que me define. Mais do que o xixi na cama, a pobreza, a fome, o abuso sexual e a violência doméstica. É uma memória poderosa porque foi a primeira vez que meu espirito e meu coração foram aniquilados” (P.16 e 17)
Essa referência da garotinha correndo vai perpassar o livro todo. Faz sentido para mim, porque eu também corro.
O segundo ponto que me tocou muito no livro foi quando ela estava estudando em uma das melhores escolas de teatro (Juilliard) e se sentia amarrada, sem poder interpretar como ela sentia. Os professores cobravam técnicas, técnicas e técnicas. Então, ela conseguiu participar de uma excursão para Gâmbia, na África, e lá ela se reencontrou consigo mesma.
“Eu havia perdido cada partícula de potência e crença no meu trabalho desde que entrara na Juilliard. Na Gâmbia, em meio ao meu povo, eu a reencontrei. Encontrei a festa dentro de mim. A celebração que precisa acontecer para combater a dor e o trauma da memória. Descobri que não há como criar sem usar nossa essência. Por dois anos, tinha pensado que a regra fosse se apagar e se negar. Era o que eu estava fazendo. Perder a voz, o discurso, o jeito de andar, o rosto… perder a negritude. Perder e enterrar a essência do que faz você ser quem é e criar algo sem alegria, mas cheio de técnica. […] Fui embora da África seis quilos mais magra, quatro tons mais retinta e tão mudada que eu não poderia voltar a ser o que era.” (p.160 e p.161)
Impossível não estabelecer a comparação com algumas questões da vida acadêmica, da necessidade de fazer pesquisa exclusivamente com o viés colonial.
A biografia de Viola Davis (265 páginas) é um livro bom de se ler. Uma menina pobre, extremamente pobre (miserável é a palavra), que passa por tudo quando é coisa ruim nessa vida e que encontra na arte a possibilidade de construir uma outra trajetória. Mas essa outra trajetória não é mágica, não é da noite para o dia. Ela não é transportada da noite para o dia de uma realidade de casa cheia, pessoas viciadas e cheiro de urina, para o tapete vermelho. Não. Ela vai se construindo. Interessante é que pelo que o livro deixa entender, boa parte da família dela segue na pobreza, já que ela não tem condições de sozinha, ajudar todo mundo. (Ahh isso foi o que entendi, viu).
Enfim, uma leitura que vale a pena. Para continuarmos acreditando em nossos sonhos e lutando contra as sombras de nossas almas.
Referência: DAVIS, Viola. Em busca de mim. Tradução: Karine Ribeiro. 1 ed. Rio de Janeiro: BestSeller,2022.