Sobre carapinhas e o engodo midiático dos cachos de Taís Araújo

Tais. Mulher negra, professora universitária, militante. E como mulher negra, um assunto que sempre me instiga a reflexão é o cabelo. O bendito cabelo. Assim como parcela significativa das mulheres negras militantes que conheço, minha história com minhas madeixas é cheia de peripécias. Teve pente quente (sim, aquele esquentado no fogo), wellin, alisa e tinge, touca de grampos, relaxamento caseiro com um pouco de alisante e muito creme de babosa, bobes térmicos, etc, etc. A entrada na faculdade e no grupo negro marcou o começo de uma relação mais tranquila com minha carapinha. Sim, porque o meu cabelo não é o da Taís, a Araújo.  É um cabelo de Tais. O meu cabelo. E só! É muito cabelo, mas bem grudado na cabeça. Ele arrisca soltar-se um pouquinho quando é molhado, mas basta o vento soprar ou mesmo a toalha secar,  que ele já está de volta ao seu estado original, encarapinhado na minha cabeça. Tenho amigas que têm cabelos com os cachos da Tais, a Araújo. Mas não é o meu caso.  O meu é carapinha, o cabelo “crespo e lanoso dos negros”, conforme alguns dicionários. Ou talvez em outras definições, o cabelo pixaim. E estamos bem, eu e ele. As vezes ele é trançado, as vezes torcido.  As vezes, tesouro precioso que é, eu o guardo debaixo de um turbante… enfim, mil e uma possibilidades, se me permitem o trocadilho com as mil e uma utilidades. O que me instiga a escrever esse texto, no entanto, é que uma vez mais,  a grande mídia coloca as mulheres negras em uma fôrma. E se antes era alisamento, agora são os cachos, os lindos cachos de Tais Araújo. E todos os produtos destinados a cuidar dos cachos, os tratamentos para fazer os cachos, e cachos e cachos de informações sobre como você, mulher negra pode ter o cabelo lindo, que respeita a sua cor, o seu cabelo natural. Como assim “natural”?  Para o meu cabelo carapinha ter os cachos de Tais, a Araújo,  é preciso um processo químico, assim como precisava de um processo químico para o alisamento… ou seja, nada natural. Faz-se necessário dizer não a esse processo de engessamento da nossa diversidade, processo esse que é histórico, que consiste em nos negar o direito de sermos diferentes em nossa unidade e cujos marcos podem ser visualizados no esquecimento proposital das nossas origens geográficas e culturais diversas. Em solo brasileiro “viramos” todos “escravos “ africanos.  Nada de bantos, geges e nagôs. Nada de musicalidades e religiosidades diversas. Tudo preto africano. Guardadas as proporções é preciso cuidado com essa valorização exclusiva dos cachos, que não são a única forma dos nossos cabelos “afro”. Os cachos são lindos, mas a carapinha nossa de cada dia também. E, portanto, parafraseando Chico, o César, mais respeito com os nossos cabelos, brancos.

Em tempo: Esse texto escrevi há uns 4 anos. Faz um ano que o meu cabelo  encontrou uma forma que se depender de mim é definitiva: os dreads. Amando cada dia mais

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