Serviço Social e a análise socioeconômica no processo seletivo para auxílios da permanência estudantil

O Serviço Social caracteriza-se como uma profissão constituída por dimensões
que, usualmente, são definidas como dimensão teórico-metodológica,
dimensão ético-política e dimensão técnico-operativa, indissociáveis no
trabalho profissional. (CFESS,2013) 


Na operacionalização da política de permanência estudantil (PNAES) ainda se
destaca como ação estruturante a concessão de auxílios socioeconômicos, e
em relação aos processos seletivos para concessão desses auxílios, é
importante pontuar que, eles não são atribuição privativa do Serviço Social.


Contudo, esses processos contemplam a etapa de avaliação
socioeconômica, e essa avaliação, com base nos incisos I e IV do artigo 5º da
Lei que regulamenta a profissão (BRASIL, 1993, online) poderia ser entendida
como atribuição privativa.  
No entanto, mesmo que não haja consenso acerca da avaliação
socioeconômica ser atribuição privativa do Serviço Social, quando essa
profissão utiliza esse processo metodológico (avaliação socioeconômica) é
necessário reafirmar que, precisam estar contempladas nele as dimensões
constitutivas da profissão.  

Nesse enfoque, na análise socioeconômica feita pelo Serviço Social, no âmbito
do processo seletivo para auxílios da permanência estudantil, estão presentes
as dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico operativa que não
podem ser desassociadas. A título de consideração inicial, a solicitação de uma
determinada documentação para a pessoa discente no âmbito da análise
socioeconômica (que estaria mais relacionada com a dimensão técnico-
operativa) aponta para uma visão humano-mundo (dimensão teórico-
metodológica) e para um direcionamento político (dimensão ético-política). 


O texto ora apresentado, está estruturado em três tópicos centrais, separados
exclusivamente para fins didático-pedagógicos, mas indissociáveis na
compreensão da avaliação socioeconômica realizada pelo Serviço Social no
âmbito da concessão de auxílios da política de permanência estudantil.


Inicio a reflexão proposta, com a discussão do primeiro tópico, intitulado “Dimensão Teórico-
Metodológica ou qual a visão humano-mundo que sustenta o processo seletivo de auxílios da permanência estudantil”
.  Os processos seletivos de auxílios da permanência estudantil são sabidamente desgastantes tanto para discentes como para assistentes sociais e demais técnicos que tem atuam na
permanência estudantil. A quantidade de documentos exigidos, bem como a tipologia de alguns desses documentos e, ainda a periodicidade da necessidade de apresentação deles, aponta para a operacionalização de uma perspectiva de política social que reduz possibilidades preventivas e, onde
prevalece o referencial de focalização e fragmentação. (BEHRING;BOSCHETTI, 2011) 


Em relação ao trabalho profissional do Serviço Social, o atrelamento da análise
socioeconômica ao processo seletivo, bem como a vinculação a uma
determinada fase desse processo e a determinados documentos,
descaracteriza um saber profissional que, historicamente, se sobrepõe a isso.  


A profissão tem competência para realizar análise socioeconômica,
independente, por exemplo, da apresentação de carteira de trabalho de todos
os membros da família.  É fundamental, portanto, compreender o que
Iamamoto (2015, p.417) discute como sendo o potencial impregnado no
trabalho da/do/ assistente social: 
[…] o potencial que dispõe para impulsionar a luta por direitos e a democracia em
todos os poros da vida social; potencial esse derivado das contradições presentes nas
relações sociais, do peso político dos interesses em jogo e do posicionamento teórico-
prático dos sujeitos profissionais ante os projetos societários. (IAMAMOTO, 2015,
p.17) 


Em termos de visão humano-mundo, existe um desenho de política social que
considera os sujeitos que dela necessitam como desprovidos de direitos, e
portanto, não participes das decisões dessa política sendo que tal lógica
(ilógica) reverbera também nas relações de trabalho. Assim, tem-se uma
política cada vez mais focalizada, com acesso cada vez mais dificultado e
sobrecarga de trabalho para quem a operacionaliza. 
Qual a alternativa pode ser apresentada em relação a isso, considerando a
realidade de cada instituição de ensino superior? Entendo que essa reflexão deva ser um
compromisso do Serviço Social.


O segundo tópico da discussão que proponho nesse texto, intitulei “Dimensão
ético política ou qual o horizonte para a permanência estudantil”.
A proposta da política nacional de assistência estudantil (PNAES), regulamentada pela Lei 14.914 de 03 de julho de 2024, sistematiza as ações de assistência estudantil para discentes da educação superior e da educação
profissional, científica e tecnológica pública.

A lei prevê a destinação de recursos prioritariamente para o âmbito da educação pública federal, em nível
de graduação e educação profissional, mas aponta que, havendo
disponibilidade de recursos, as ações podem atender também discentes de
mestrado e doutorado das instituições federais e discentes das instituições de
ensino superior públicas de estados, municípios e do Distrito Federal. 

 
A referida legislação estabelece ainda as principais ações e programas da
política, sendo que alguns deles já existem, de forma fragmentada, e na
proposta da lei, eles passam a integrar esse desenho mais amplo.


É possível afirmar que, por permanência estudantil, na contemporaneidade,
entendem-se as ações desenvolvidas para assegurar que, discentes de cursos
de graduação e técnicos, tenham condições de realizarem e concluírem seus
estudos e que essas condições não se limitam a realidade financeira, mesmo
que essa seja a dimensão mais publicizada quando se trata de permanência
estudantil.  


Nesse contexto de ações para assegurar que as pessoas discentes tenham
condições de permanecerem na universidade e assim concluírem seus
estudos, atribui-se para o Serviço Social, funções e identidades que passam
prioritariamente pela dimensão da concessão de auxílios e, nessa direção, tem-
se uma perspectiva limitada tanto sobre permanência estudantil (concessão de
auxílios) como sobre o trabalho do serviço social (a operacionalização da
concessão de auxílios). 


Discutir, portanto, o fazer profissional do Serviço Social no âmbito das ações de
permanência estudantil, implica numa reflexão que aponta também para qual
política de permanência estudantil é necessária para atender as pessoas
discentes na perspectiva de emancipação, que é o horizonte para onde devem
apontar as ações da permanência estudantil. 


Nessa direção, considerando o que preconizam os princípios fundamentais do
Código de Ética Profissional do Assistente Social, o trabalho como assistentes
sociais da permanência estudantil deve apontar para a “ampliação e
consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda a sociedade, com vistas a garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras”. (CFESS, 1993). 


A documentação solicitada, as etapas (inscrição, entrevista, divulgação), a
forma como as orientações são divulgadas, caminham na direção da
consolidação da cidadania? Qual a perspectiva de emancipação adotada no
trabalho? Ou a defesa do projeto ético político do Serviço Social se encerra
quando chega na etapa da avaliação socioeconômica?  


As competências e atribuições profissionais não se dissociam de uma direção ético
política e sua tradução em procedimentos técnicos no cotidiano dos estabelecimentos
educacionais, implica necessariamente, no reconhecimento das condições objetivas a
partir das quais se desenvolve o trabalho profissional.  (CFESS, 2013) 


É necessário que os pressupostos que norteiam a ética profissional (não na
perspectiva formalista, de código apenas, mas valores e direcionamentos)
estejam nas ações cotidianas do trabalho profissional. O compromisso com
esse direcionamento ético, exige uma postura que entende a avaliação
socioeconômica como uma possibilidade para a garantia de direitos,
entendendo os limites desse processo, mas comprometida em buscar
alternativas e estratégias junto com a população discente. 


E, finalizando as reflexões que apresento aqui, o terceiro e último tópico é
intitulado “Dimensão técnico-operativa ou a avaliação socioeconômica
para auxílios de permanência estudantil:  referenciais para análise”.

Os instrumentais utilizados para a avaliação socioeconômica nos processos
seletivos de permanência estudantil são diversos, assim como são as diversas
as realidades institucionais em relação a permanência estudantil. De forma
geral, a definição de quesitos avaliativos tem como principal contribuição tornar
quantificáveis as análises feitas em relação a condição de vulnerabilidade. 


Os instrumentais utilizados para avaliação socioeconômica no âmbito da
permanência estudantil são construídos em um determinado contexto histórico.
Contudo, considerando a dinamicidade da realidade, temos mudanças em
várias dimensões da vida em sociedade e a título de exemplo poderíamos
apontar as relações de trabalho, as configurações familiares e o acesso à
informação.  


Na Universidade, há que se destacar a ampliação do acesso a partir da política
de reserva de vagas para estudantes oriundos das escolas públicas, e a reserva de vagas para estudantes oriundos de escolas públicas e pretos, pardos e indígenas. Para além disso, a pandemia da COVID 19 e o cenário político econômico do Brasil (2019-2022), resultou num empobrecimento
acentuado, contribuindo para que pessoas que, antes não se enquadravam no
perfil de vulnerabilidade, passassem o compor o público atendido por auxílios. 


A partir dessas análises e tendo como referenciais as dimensões teórico
metodológica e ético política referidas anteriormente, é fundamental a revisão
periódica dos instrumentais utilizados para avaliação socioeconômica.
Tal revisão, reafirma o potencial crítico e democrático do Serviço Social e,
entende que a profissão é competente para realizar análises socioeconômicas,
sem sobrecarregar na exigência de documentações, mas ao mesmo tempo,
reconhecendo a importância delas para uma análise objetiva.

REFERÊNCIAS 
BRASIL. Lei 8.662 de 07 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de
Assistente Social e dá outras providências. Disponível em: 
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8662. 
BEHRING, Elaine Rossetti. BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: 
fundamentos e história. 9.ed. São Paulo: Cortez,2011. 
CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Código de Ética Profissional
do/da assistente social. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 2012. 
CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Subsídios para atuação de
assistentes sociais na política de educação. Série Trabalho e Projeto
Profissional nas políticas sociais. Brasília: CFESS, 2013. 
IAMAMOTO, Marilda Vilella. Serviço Social em tempo de capital fetiche: 
capital financeiro, trabalho e questão social. 9ed. São Paulo: Cortez, 2015

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