Às vezes, só ter direitos não resolve. Uma das situações que me fez pensar nisso foi o caso assombroso do anestesista que abusou da mulher na cesárea dela. E na onda daquela situação, choveram informações sobre a lei do acompanhante. Blogueiras, artistas, militantes, todo mundo divulgando frases com o teor: “Mulher, você sabia que você tem direito a um acompanhante? Mulher, exija seu direito”. E assim por diante. Eu lia essas coisas com uma certa raiva, confesso. Porque de alguma forma, é de novo uma cobrança da vítima. Como se ela não soubesse que tem direito.
Se você for em qualquer roda de conversa de gestante hoje, em um posto de saúde, de periferia, elas sabem que têm direito a isso. Aí, chega no hospital, a enfermaria é coletiva e a orientação para a dinâmica do hospital correr bem é: acompanhante só se for mulher. Percebem: Não negam o direito. O limitam.
Ter acompanhante não bastou para a mulher vítima do anestesista não ser violentada. Se vocês forem ler as notícias verão que ela tinha acompanhante, mas que em dado momento foi pedido que ele saísse porque precisavam de outros procedimentos.
Acontece é que é mais fácil achar atalhos. Eu reconheço a honestidade do propósito de quem quer socializar a lei do acompanhante. Mas o problema, gente, não é o desconhecimento da lei do acompanhante. O problema é tudo que sustenta a possibilidade de médicos, anestesistas, enfermeiros disporem dos corpos de pacientes como lhes aprouver. Você entra dentro de hospitais, UBS e quaisquer espaços de saúde e é tratado como alguém que não sabe de nada, porque ali o espaço é do médico, da saúde. E se você começa a falar demais, a pedir informação, se recusam ao atendimento.
Então, de forma geral, o grande problema não é o desconhecimento da lei do acompanhante ou de qualquer outra lei que estabeleça direitos. O problema é mudar as estruturas para que esses direitos sejam reconhecidos. E isso não é papel de uma pessoa sozinha, no caso, quem está sendo vítima da violência. É papel de conselhos, de organizações não governamentais, de grupos organizados. O fortalecimento é coletivo.
E ainda nessa linha tem a questão do racismo também. Uma amiga do Direito e que sempre me puxa a orelha com relação a alguns vícios militantes, entre outras coisas, me mandou a reportagem da mãe que denunciou a escola por racismo e foi processada pela mesma escola por calúnia.
Percebem? Ahhh mas você tem que ir atrás do seu direito. Você tem que denunciar? Você tem que … você tem que…. você tem que….
Enquanto não se altera o quadro de relações raciais desiguais, a denúncia resolve pouco. Ou vocês acham que o racismo, por exemplo, persiste no Brasil por falta de denúncia?
Mas Tais, então tem que parar de denunciar? Ó vocês errados aí. Rsrsrsrs Evidente que não né gente. Mas não dá para colocar como se isso fosse a solução de todos os problemas. E mais, como se nós, vítimas do racismo tivéssemos a obrigação de confrontar isso sozinhos. Minha mãe tem um ditado que diz assim: A corda sempre arrebenta do lado mais fraco.
Não aumentem a nossa responsabilidade não. As vezes só ter direitos não basta não. E para efetivar direitos tem uma luta que tem que ser coletiva.