A contemporaneidade trouxe destaque para o termo acolhimento dentro do Serviço Social. Mesmo que, historicamente, o acolhimento sempre tenha sido parte das técnicas de intervenção da profissão (especialmente no âmbito da política de saúde) tal técnica ainda suscita diversos debates. A guisa de exemplo dessas indagações sobre acolhimento e Serviço Social, tem-se de um lado, algumas leituras que limitam o acolhimento a uma perspectiva psicoterapêutica na qual o Serviço Social não está habilitado a atuar. Por outro lado, têm-se uma ausência de conhecimento produzido pelo Serviço Social acerca do acolhimento e então, assistentes sociais inseridos nos mais diversos espaços sociocupacionais se vêm as voltas com uma demanda cada vez maior por acolhimento, ao mesmo tempo em que são questionados se isso seria o papel do Serviço Social. Como fazer acolhimento dentro de uma perspectiva crítica?
Sem a pretensão de apresentar respostas a uma temática tão ampla, trago algumas contribuições para pensarmos esse tema. Já deixo o convite para você registrar seu comentário no final do texto para que a gente possa continuar conversando sobre isso.
É interessante observar que uma rápida pesquisa na plataforma Scielo e no Google Scholar mostra que o tema Serviço Social e Acolhimento aparece primeiramente relacionado ao trabalho na política de saúde e depois com o serviço de acolhimento institucional previsto na Tipificação Nacional do Serviços Socioassistenciais da política de assistência social.
Em relação a artigos acadêmicos, se tomarmos como base um dos periódicos mais significativos do Serviço Social, a Revista Serviço Social e Sociedade nos últimos cinco anos não tem nenhum artigo acerca do tema Serviço Social e Acolhimento.
Considerando o banco de teses e dissertações da CAPES, se recortarmos o ano de 2022 e considerarmos o tema acolhimento e Serviço Social temos 15 trabalhos, sendo que apenas um desses textos aborda o acolhimento na perspectiva da técnica de intervenção, enquanto todos os demais abordam na perspectiva do serviço de acolhimento previsto na política de assistência social.
E interessante apontar que esse trabalho onde o acolhimento aparece como técnica de intervenção tem como título “O trabalho da(o) assistente social no programa de assistência estudantil do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR): um estudo”. Nessa dissertação, no capitulo III a autora aborda especificamente o trabalho de assistentes sociais na permanência estudantil, as demandas e atribuições. Seria uma coincidência?
Mas porque todas essas considerações iniciais? Para dizer às pessoas assistentes sociais que irão ler esse texto, que a gente precisa escrever sobre o que a gente faz. Ou a gente não faz acolhimento todo dia?
De acordo com o dicionário, acolher significa “dar acolhida, agasalhar, hospedar, amparar, proteger, abrigar”. Como isso se traduz no cotidiano do trabalho profissional? Acolhimento é aquele primeiro contato, motivado pela pessoa usuária, que por estar vivenciando uma situação crítica, procura o Serviço Social buscando esse amparo/proteção/abrigo.
Em algumas situações, essa pessoa usuária vai demandar serviços que não são da competência do Serviço Social, mas antes de dizer que no Serviço Social não é o espaço adequado, ou antes de encaminhar para o serviço/órgão competente, ou antes de orientar em relação a busca de garantia de direitos, o Serviço Social vai precisar acolher essa pessoa. E é aqui que esbarramos. Porque na maioria das vezes sabemos para onde encaminhar e sabemos como orientar. Mas o que fazemos em relação ao acolhimento? Sabemos o que estamos fazendo? E se sabemos, porque não falamos sobre isso?
Penso que ainda vemos o acolhimento muito na perspectiva do senso comum, de fazer algo não técnico, ou como algo que não devíamos fazer porque é atribuição de outro profissional. Trata-se na minha leitura de um equívoco. Sim, nós, assistente sociais somos competentes para acolher a pessoa usuária.
E como fazemos isso? Vamos sintetizar nossas ações no acolhimento em três dimensões básicas.
- Através da escuta qualificada.
No momento em que somos procurados por pessoas usuárias, nossa primeira atitude é a de disposição para escuta. Tal escuta é qualificada porque a pessoa tem a certeza de que não será julgada/ discriminada pelo que vai dizer. Temos o compromisso de permitir que essa pessoa fique à vontade para dizer o que lhe incomoda, o que a violenta, o que a machuca, o que a ameaça. Vale ressaltar que nesse momento, nós precisamos estar de fato dispostos a ouvir, e isso significa parar todas as demais ações e ouvir o que a pessoa quer nos relatar. Esse primeiro momento é de paciência da parte do profissional para, de fato ouvir o que pessoa quer dizer, as vezes com palavras, as vezes com silencio, lágrimas. Esse talvez seja um momento difícil para nós assistentes sociais que sempre temos uma orientação, um encaminhamento a fazer. Mas esse momento é necessário. Um acolhimento efetivo começa pela escuta qualificada.
- Através do apoio para que a pessoa possa entender a totalidade da situação vivenciada
No processo de acolhimento, a pessoa usuária precisa de tempo/espaço/condições para a compreensão dos meandros da situação que vivenciou. O Serviço Social tem o conhecimento técnico necessário para auxiliar essa pessoa a olhar para a situação vivenciada e perceber os diversos fatores envolvidos no processo. Esse momento é essencial para evitar autoculpabilização. Através do diálogo cuidadoso, crítico e comprometido o Serviço Social contribui para que a pessoa compreenda como as relações sociais contemporâneas afetam o modo de vida em sociedade.
- Através da orientação em relação as providências em relação a situação vivenciada
O espaço do acolhimento é de escuta, de apoio, mas também de orientações e encaminhamentos. A partir da especificidade da situação apresentada o Serviço Social vai orientar acerca dos procedimentos para solução/enfrentamento das problemáticas geradas em decorrência da situação vivenciada pela pessoa usuária. Nessa dimensão do acolhimento, o Serviço Social demonstra seu posicionamento de reconhecimento da liberdade como valor ético central e de defesa intransigente dos direitos humanos, princípios fundamentais do Código de ética profissional.
Concluindo essa reflexão, destaco que o acolhimento realizado pelo Serviço Social concretiza uma de nossas competências profissionais, aquela descrita no inciso V do artigo 4º da lei que regulamenta a profissão (Lei 8.662 de 1993): “Orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer usos dos mesmos no atendimento e defesa de seus direitos.”
E então, como você faz acolhimento?
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Te admiro muito, queria ter te conhecido enquanto estava na ativa. Você escreve com muita clareza minha vivência na Unesp. Nossa profissão é de pouco relatar o trabalho. Parabéns pelo seu belíssimo texto, consegue transmitir com muita clareza. Abraços
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Elizete, seu comentário me deixa muito honrada. Sigo tentando dar visibilidade ao trabalho técnico, tão esquecido.Obrigada por tanto.
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Texto Maravilhoso e Elucidativo.
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Obrigada Danilo. Seguimos na luta.