O artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA Lei 8.069 de 1990) é um dos mais conhecidos pelas Conselheiras e Conselheiros Tutelares. Esse artigo trata das atribuições do Conselho Tutelar e, lá no inciso III, alínea a, diz que para promover a execução de suas decisões, o Conselho Tutelar pode “requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança”. Bom, e aí, quando chegam as famosas requisições do Conselho Tutelar, quase sempre tem desencontros. As vezes porque as requisições foram feitas sem conhecer o fluxo do serviço, as vezes porque foram impositivas, as vezes porque não se conhece o propósito de tal requisição, as vezes… as vezes… as vezes…
Contudo, o propósito desse texto não é apenas falar de um problema que todo mundo já conhece e sim, tentar trazer uma contribuição técnica que pode evitar desencontros.
O Conselho Tutelar tem que requisitar serviços porque o órgão não tem função executiva e dessa forma não é capacitado tecnicamente para desempenhar essas funções. Simples assim. O Conselho Tutelar zela pela garantia de direitos e para isso precisa desses serviços que a rede oferece. Para que isso de fato funcione e os direitos das crianças e adolescentes sejam garantidos é preciso que exista um trabalho em rede onde cada órgão, serviço, programa tenha atribuições bem definidas e conheça os limites de sua atuação.
Exemplo disso é o relatório, um instrumental que permite o acompanhamento das situações atendidas. Como é um instrumental muito utilizado, pode também gerar muita confusão. Por exemplo, o Conselho Tutelar solicita um relatório social, mas já indicando qual deveria ser o parecer. Ou o Conselho Tutelar solicita o relatório social, mas o profissional da rede entende que não seria necessário naquele momento, ou que o relatório solicitado, o Conselho Tutelar mesmo poderia fazer.
E aí, Conselho Tutelar faz Relatório Social? Evidente que não. Conselho Tutelar faz Relatório? Evidente que sim. E qual a diferença? Vamos lá.
O relatório do Conselho Tutelar é um RELATÓRIO CIRCUNSTANCIADO, ou seja, um relatório da circunstância, do fato. É um relatório que descreve a situação observada, que relata o que foi visto enfatizando onde houve a violação de direitos da criança e do adolescente.
O RELATÓRIO SOCIAL é um Relatório de um profissional de Serviço Social que vai usar seu conhecimento técnico científico para entender a situação, ou seja, vai analisar dimensões de renda, de moradia, de relações familiares, de acesso a políticas públicas.
São dois relatórios distintos, acerca da mesma situação. É fundamental para o trabalho do Conselho Tutelar elaborar o seu próprio relatório, deixar registrado. Mas se, para garantir os direitos da criança e do adolescente, precisar de serviços e relatórios específicos, o Conselho Tutelar deve requisitar tais serviços, sem tentar interferir na prestação desses serviços.
Para deixar mais explicita essa diferença, vou utilizar um caso fictício. O Conselho Tutelar é chamado para realizar um atendimento de uma criança que foi agredida fisicamente pelo pai. A criança tem 08 anos. No atendimento, as duas conselheiras que estavam de plantão percebem que a criança está chorando, tem manchas roxas no braço e no rosto. Elas percebem ainda que o pai está embriagado. As Conselheiras vão fazer o relatório do atendimento, registrando as informações básicas (idade da criança, endereço, responsáveis, situação encontrada) e solicitando os atendimentos.
As Conselheiras sabem, ao olhar as manchas roxas, definir quando elas se originaram, de que forma foi a agressão? Evidente que não. E NÃO PRECISAM SABER. Para isso existe o exame de corpo delito. Requisita-se o serviço.
As Conselheiras sabem pelo choro da criança definir a extensão do dano emocional? Possuem o conhecimento de como acolher tecnicamente a criança e ao mesmo tempo procurar entender os danos e trabalhar eles? Evidente que não. E NÃO PRECISAM SABER. Para isso existe atendimento psicológico. Requisita-se o serviço.
As Conselheiras sabem identificar as situações de vulnerabilidade da família? Sabem como identificar questões de renda, de relações familiares? Sabem avaliar os impactos das condições socioeconômicas no cotidiano da família? Evidente que não. E NÃO PRECISAM SABER. Para isso existe atendimento social. Requisita-se o serviço.
Mas então o que faz o Conselho Tutelar? Está de plantão quando todos os outros serviços estão fechados. Está atento, zelando pela garantia dos direitos da criança e do adolescente. Está trabalhando para a efetivação da proteção integral.
Em síntese é importante para o trabalho em rede na garantia dos direitos da criança e do adolescente que cada um dos órgãos e serviços envolvidos consiga trabalhar dentro das suas atribuições. Ou seja, a rede socioassistencial não tem que se sentir incomodada com as requisições, mas o Conselho Tutelar não tem que questionar avaliações técnicas.
Enfim, é por aí que vamos caminhando.
E então… esse texto te ajudou de alguma forma? Me deixe saber.