20 de Novembro e Serviço Social: algumas provocações

Nessa última semana (15 a 19 de Novembro) fiz duas falas sobre Serviço Social e questão racial: uma fala em um espaço de formação inicial em Serviço Social (curso de graduação) e outra fala com profissionais de Serviço Social, atuando em um lócus específico. A partir das leituras e estudos feitos para esses dois momentos, quero, nesse 20 de Novembro de 2021,  compartilhar algumas reflexões com vocês sobre a questão racial e o Serviço Social.

Organizei essas provocações, a partir de duas perspectivas: uma epistêmica e outra técnico-operativa. Importante  ressaltar que ambas perspectivas são inseparáveis, complementares, que se constituem dimensões de uma mesma realidade e que estão separadas nesse texto, para fins  exclusivamente didático-pedagógicos.

Em relação ao debate epistêmico, gostaria de pontuar que o Serviço Social, enquanto sujeito coletivo, “descobriu” recentemente o racismo no Brasil. Vou dizer que antes tarde do que nunca. Contudo,  estamos ainda bem longe de reconhecer a questão racial no Brasil.  Digo isso com muita tranquilidade e sem nenhuma intenção de desqualificar todo o esforço que o coletivo profissional vem fazendo para combater o racismo e construir a luta antiracista. Mas ainda estamos longe, de no Serviço Social,  reconhecer que existe uma questão racial no Brasil. Nós entendemos o racismo como expressão da questão social, mas isso não aponta a centralidade que a questão  racial tem na realidade brasileira. Clóvis Moura, Lelia Gonzales, Florestan Fernandes e Octavio Ianni  são alguns autores que vão apontar, em suas análises, o fato de que o capitalismo se desenvolve no Brasil com peculiaridades que estão imbricadas com as  questões de raça. As análises mais aprofundadas e menos comprometidas com o marxismo ortodoxo e doutrinário, vão apontar a necessidade de uma leitura , também fundamentada em Marx, que considere que no Brasil, classe, gênero e raça estão imbricadas e devem ser compreendidas como centrais nas análises da realidade brasileira.  Não estou aqui negando a centralidade de classe. Estou dizendo que no Brasil,  essa centralidade é construída junto com gênero e raça. Mas não percebo avanços significativos em relação a isso no Serviço Social.  Me parece que estamos discutindo formas de combate ao racismo  apenas  na dimensão do exercício profissional sem pensar de fato a formação anti racista. E pensar a formação antiracista vai além de lançar materiais e subsídios. Implica em discussão epistemológica, em ampliar leituras, contextualizar análises. Eu brinco que só vou acreditar que o Serviço Social está, de fato abraçando a luta antiracista, quando começarmos a pensar a reformulação das Diretrizes Curriculares, por exemplo. E não venha me dizer que o debate da questão racial está contemplado na apresentação dos núcleos nas Diretrizes  Curriculares, porque qualquer pesquisador comprometido com a questão racial no Brasil, sabe que precisa muito mais do que o que está nas Diretrizes da formação em Serviço Social. Infelizmente,  ao que me parece, estamos no Serviço Social discutindo o combate ao racismo, a luta antiracista na perspectiva do exercício profissional, mas sem coragem de fazer o debate epistêmico. Seria o medo do rótulo de “pós moderno”? Fico me perguntando.

Em relação ao debate técnico operativo tenho respondido muitos questionamentos sobre como fazer, como construir a luta antiracista no cotidiano do trabalho profissional. Hoje, temos já diversos materiais produzidos pelo coletivo profissional e entidades da categoria que apontam nessa direção. Aproveito a oportunidade desse texto,  nessa data, para destacar estratégias que podem contribuir nesse processo.


1. Identificação da população negra nos diversos atendimentos. É fundamental enfrentar a invisibilidade da população negra nos diversos serviços,  programas e projetos das mais variadas políticas públicas. E para isso é preciso que registremos, que identifiquemos essa população, colocando o quesito cor/raça nos nossos prontuários de atendimento,  conforme diversos pesquisadores já vem apontando. É preciso perguntar cor/raça,  assim como perguntamos sexo, idade, estado civil. A construção do perfil dos sujeitos atendidos não pode desconsiderar o quesito cor/raça, na medida em que conhecer as demandas da população negra passa por identificar essa população.


2. Fortalecer iniciativas de resistência dos diversos  coletivos negros.Na luta antiracista,  o Serviço Social precisa compreender que o protagonismo é do povo negro. Não estou falando aqui do “famigerado e descontextualizado lugar de fala” ( De tantas distorções que já ouvi desse termo, peguei birra). Estou dizendo que o Serviço Social tem que somar na luta, falar do que lhe é próprio, da sua área de atuação,  mas entender que existem movimentos,  iniciativas,  propostas dos mais diversos âmbitos (assistência social, educação,  saúde, cultura, esporte) que visam a valorização do povo negro e o combate ao racismo.


3. Trazer a temática racial para o cotidiano.  Isso significa trazer no visual,  nas ações desenvolvidas (individual ou grupal) nos debates com as equipes multi e interdisciplinar. Como falar de combate ao racismo, se no local de trabalho as referências de imagens são todas brancas? Como construir a luta antiracista se no cotidiano a questão racial nunca aparece como tema por exemplo dos grupos socioeducativos? Como promover a igualdade racial se nas reuniões de equipe esse nunca é o tema do debate?
Enfim, como diz o título desse texto, são apenas algumas provocações nesse 20 de Novembro.  Nós assistentes sociais temos ainda um longo caminho a trilhar no que diz respeito ao combate ao racismo. O bom é que  estamos caminhando. 

Salve 20 de Novembro.Salve a resistência negraSalve aqueles e aquelas que vieram antes.Salve os que estão na luta hoje.Salve aqueles e aquelas que ainda virão.

Ilustração: Tela Mocambos de Daniella Néspoli

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2 Comentários


  1. Professora, usando o bom e velho dito popular, concordo com a senhora “em gênero, número e grau”. Penso que o Serviço Social e a Academia ainda têm muito a caminhar e a se aproximar/engajar na luta antirracista. Compreender que a classe trabalhadora brasileira, tem gênero, raça/cor e não é questão de identitarismo. As negras e os negros no Brasil lutam e resistem desde que aqui chegaram escravizadas e escravizados. Resistência não é só substantivo , é também coragem que o povo negro carrega. Que continuemos fortes e na luta, com a força de nossos ancestrais e protestando mesmo que nos virem as costas, como bem nos ensina o grande Carlos de Assumpção: ” Mesmo que voltem as costas
    Às minhas palavras de fogo
    Não pararei de gritar
    Não pararei
    Não pararei de gritar […]
    Senhores
    Eu fui enviado ao mundo
    Para protestar [..]”

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