Nhoque de beterraba com molho de batatas ou a felicidade no singular

Maria Leticia, é uma tia apaixonada nas sobrinhas e sobrinhos, mas Valentina é o seu xodó, o seu coração derretido.

Valentina chegou para passar o domingo e Maria Letícia vai com ela para a cozinha preparar almoço.  A sobrinha,12 anos, não come carne desde que descobriu que “carne era feita de bicho”, aos 6 anos.

Elas decidem fazer nhoque.  Os pais idosos de Maria Letícia estão concentrados na arrumação do quarto de bagunças (Ela ri. Eles arrumam esse quarto pelo menos uma vez por mês e sempre tem bagunça). Ela e Valentina estão na cozinha 

– Vale, tire a casca e coloque essas duas batatas pra cozinhar, enquanto a tia bate essas três beterrabas com água no liquidificador.

-Tia, você não tem namorado?

-Não, Vale.

-Mas porque tia? 

– Porque eu não quis Vale. Peraí que a tia tem que bater a beterraba.

Beterraba batida, vai para a panela, onde Vale já colocou o alho para fritar. Enquanto  a tia mexe a beterraba pra levantar fervura,  Vale volta as perguntas. – Mas me conta tia, nunca teve ninguém?

-Teve duas pessoas especiais Vale.

-Me conta tia.

Maria Leticia tempera com sal e pimenta a beterraba batida e vai colocando a farinha, mexendo até desgrudar da panela. Enquanto espera esfriar, satisfaz a curiosidade da sobrinha 

– Eu tinha 21 anos, Vale. Estava na faculdade quando conheci o primeiro amor da minha vida. Começou com uma amizade, a gente saia junto, se divertia. E um dia, simplesmente aconteceu. Durante os outros dois anos seguintes, fomos o casal mais feliz da faculdade, da cidade, do mundo, do planeta. Mas começaram tantas brigas, tantos desencontros e um dia simplesmente acabou.

– Mas tia, como ele chamava?

– Era ela, Vale. O nome dela era Bianca.

– Mas tia, você nunca mais viu a Bianca? 

– Não e nunca mais quis. Passou. Não daria certo mesmo. Mas Vale, a batata está cozida. Bate no liquidificador prá tia.

Vale bate as batatas no liquidificador com meio litro de água. 

Maria Leticia refoga alho, cebola e coloca brócolis cozido e picado. Vem com o creme de batata e vai acertando o ponto com água.  Acerta o sal, coloca cebolinha e  coentro e  surge um molho branco pra ninguém colocar defeito.

Vale volta ao assunto. 

_ Mas tia, quem foi a outra moca que a tia gostou?

_ E quem disse que foi moça, Vale, amor da tia? Dessa vez foi um moço. 

Mas ó, a massa esfriou, vem ajudar a tia a enrolar. Vale, coloca a mão na massa mas quer saber mais. Me conta tia, como foi o segundo caso.

– Vale, titia não é mulher de ter casos. Foram amores! Ele era médico no meu trabalho. A gente se apaixonou fazendo plantão juntos. Namoramos 5 anos. Mas quando ele quis casar, eu não quis, e ele não entendeu minha escolha. Eu não estava pronta. Não queria. Terminamos.

Os nhoques vão tomando formas e Valentina quer saber mais.

Ô tia, mas porque você nunca mais quis ninguém? Você ficou com medo? Trauma?

-Ahhh Vale.  E sua tia é mulher de ter medo? Simplesmente não aconteceu mais. E a tia também não estava a fim de gastar tempo procurando. Mas quem sabe ainda aconteça.  E se não acontecer mais, a tia também não está preocupada. A tia é muito feliz assim.

As bolinhas são colocadas na água fervente pra cozinhar. Depois de cozidas, tia e sobrinha espalham na travessa, colocam o molho e pronto. Almoçam e continuam conversando.  Falando de vida, de trabalho, das primeiras paixões de Vale.

O dia passa que nem percebem. A irmã passa, pega a filha e acabou o domingo.

Antes de dormir Maria Leticia olha o celular.  Tá lá a mensagem da irmã.

-Ô Malê, não precisa também ficar enchendo a cabeça da Vale de ideias né… que coisa. 

Maria Leticia ri. Mania besta das pessoas de querer padronizar tudo. Aos 45 anos de idade, morando com os pais prá cuidar deles, sozinha por escolha, ela não ela não vai se limitar pra se encaixar em padrões. Ela é ela. Só isso. Sem rótulos ou estruturas prontas. Ela.  No singular.

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