Pasteizinhos de chicória e requeijão de inhame, ou deslizes de domingo

Maria do Socorro olha a janela. Mais um dia de chuva, nesse verão que não tinha nada de bom. É domingo, e domingo não pede cachimbo, pelo menos não para ela. 

Domingo pede comida boa e todo mundo na sua casa já sabe disso. Domingo é o dia que todo mundo se reúne. O marido mora  numa edícula no fundo da casa  e ela, que no começo, achava a situação ridícula (rimando com a edícula) hoje já se acostumou.  Estranha ela se sente apenas quando leva algum eventual namorado pra dormir lá e as vezes passa pelo ex marido sem camisa no portão. Mas ele também leva as namoradas e então parece que tá tudo certo.

Estão separados há 10 anos. Resolveram continuar morando juntos no mesmo quintal por causa dos filhos, na época com 12, 10 e 08 anos. 

Hoje, ela tem 40, o filho mais velho 22, a filha do meio 20 e o caçula dezoito. Cada um tem um ritmo, cada um tem seus compromissos (trabalho, estudos, amigos) mas sabem que no domingo é dia de almoçarem juntos.

Nesse domingo, ela resolve fazer algo diferente. Anda se sentindo cansada das mesmas coisas de sempre. E resolve inovar. Nada de arroz, carne e salada. Nada de macarrão e maionese ou frango assado e salpicão.

De cara ela já faz o requeijão de inhame que aprendeu a fazer com Maria Lúcia, a amiga vegetariana do trabalho. Deixa reservado, como a raiva que sentiu ao saber que o ex-marido estava saindo com outra mulher, a segunda só nesse ano. 

Corta a chicória e refoga com bastante azeite, alho e cebola. Também deixa reservado, como o desejo que ainda sente por ele, especialmente quando ele fala coisas com duplo sentido, no melhor estilo sedutor barato e cafajeste.

Mas vamos focar nessa massa Dona Maria do Socorro, ela diz pra si mesma. Um punhado de farinha de trigo, sal e um pouco de óleo. É a massa habitual. Mas hoje ela quer mais da vida. Coloca açafrão. Coloca  páprica. Coloca gengibre moído.  Amassa. Experimenta.  E gosta do que sente. E numa ousadia final, ainda coloca semente de linhaça na massa.

Pronta a massa, monta os pastéis recheando com chicória e requeijão de inhame.

Os pastéis vão para o forno. O ex-marido chega para o almoço. Dessa vez trouxe Coca Cola. Os filhos ainda estão em seus cantos, cuidando de suas coisas. Ela e o ex-marido começam conversar sobre normalidades, quando ele pergunta o que vai ter de almoço porque o cheiro está gostoso. E alguma coisa no jeito que ele fala gostoso, acende algo dentro dela.

Não! Ela não voltaria a morar com ele. Não, ela não teria um relacionamento de novo com ele. Mas se ela transaria com ele? Ali mesmo, se ele quisesse. E ela se assusta só de pensar nisso dez anos depois.

O pastel assou.  Os filhos apareceram, almoçaram e se foram de novo. Ficou ela e ele. Ele e ela. Ela e ele, numa casa vazia em um domingo chuvoso. Foi um esbarrão, um arrepio… e o mundo parou…

Na segunda feira, enquanto contava para Maria Lúcia a história das doideiras do domingo, ela pensava: deve ser algum daqueles temperos que mexeu com as ideias dela.

DEIXE AQUI SEU COMENTÁRIO: