BOLINHO DE BRÓCOLIS OU QUANDO O SEGUNDO SOL CHEGAR….

Maria Rosa abre a geladeira e pensa no que vai fazer para a janta. Feriadão de meio da semana, um dia preguiçoso, onde ela e Pedro maratonaram “The Orange is the new Black “. Pedro ama a Red. Já ela é apaixonada na “Olhos Loucos”. Ambos concordam que Pipper é sem graça demais para ser personagem principal, mas ficção é ficção né.

Maria Rosa depois de dar aquele giro panorâmico na geladeira, decide fazer bolinho de brócolis. Ela simplesmente ama bolinhos. As vezes fala para Pedro que bolinhos são a prova do poder da transformação. Arroz já esquentado vira bolinho. Feijão cru vira bolinho. Mandioca vira bolinho. Batata vira bolinho. Os brócolis que vai usar, por exemplo, já estão começando a dar aquela amarelada na geladeira e, para salada não ficaria tão bom, mas no bolinho é garantia de sucesso.

 Enquanto lava e separa os galhinhos de brócolis para colocar na panela, ela se pega a pensar na própria vida e de como, teve a sorte de ter o segundo sol em sua vida, o segundo sol que chegou para realinhar as órbitas dos planetas…Derrubando com assombro exemplar, o que os astrônomos diriam se tratar de um outro cometa”. Como psicóloga, Maria Rosa se encanta por músicas como essa de Cassia Eller que podem dizer tantas coisas. E a água que lava os brócolis leva as lembranças dela para 20 anos atrás.

Maria Rosa estudava em outro estado, tinha passado no vestibular para Filosofia. A mãe chorou horrores mas o pai apoiou e ela foi embora estudar. Estava com 20 anos, no meio do segundo ano da faculdade, quando André apareceu na cidade onde ela estava, trabalhando na montagem de estandes para uma feira. Ela não acreditava. Estava há mais de 400 km de casa e ele aparecia ali…. Que alegria rever um amigo.

André, 32 anos, estava na vida de Maria Rosa desde que ela se lembrava. Cresceu admirando aquele vizinho e na adolescência, ele foi sua paixão. Mas ela nunca sequer tinha dito isso para ninguém. Não ousava nem mesmo verbalizar isso. Lembra do casamento dele, da amizade que ela construiu com Dora, esposa dele. Do nascimento do filho deles.

Mas André vai ficar 15 dias na cidade. Os cinco primeiros dias se encontram para comer lanche, falam da vida, dos amigos em comum. E o negócio de se ver todo dia vai criando uma intimidade, uma proximidade. Os sonhos esquecidos de Maria Rosa vão voltando na mesma medida que vai crescendo a intimidade e um dia, antes dele voltar embora para a cidade deles, acontece o beijo pelo qual ela esperou a adolescência inteira.

Ele foi embora e ela não conseguia mais se ligar em nada. A faculdade perdeu sentido. As festas sem brilho. As amigas não entendiam, mas ela sabia que precisava viver esse amor.

Dois meses depois, seguindo a orientação da psicóloga da faculdade e com a aprovação imediata da mãe, trancou a faculdade e voltou para sua cidade. Duas semanas depois, na casa de uma amiga, se entregou fisicamente pra André. A alma já era dele desde aquele beijo no portão da República onde morava no Mato Grosso.

Depois daquele dia, foram 03 meses de sonhos. Maria Rosa e André passeavam, se amavam. Sempre às escondidas. Ela não se sentia mal, afinal conhecia André muito antes de Dora. Na sua cabeça de apaixonada, ela tinha esse direito. Teve cinema, parque, sorvete, música, cartas de amor, beijos, abraços, sexo e muitos planos para o futuro.

Mas três meses se passaram e André chega com a notícia. Dora estava grávida.  Não podia deixar ela agora e era melhor que ela não esperasse por ele

“Eu não posso estragar sua vida assim”, ele disse. Entrou no carro e foi embora.

Maria Rosa termina de lavar os brócolis e coloca pra cozinhar.

Lembra de como chorou naqueles dias. De como não queria mais comer, de como não queria mais viver.  Ele não tinha mais o que estragar na vida dela. Já estava tudo estragado. Ela se lembra de como teve que reaprender a viver. Aquele amor tinha sido furacão.  Quem consegue simplesmente limpar a roupa e continuar andando depois do furacão? Foi vivendo um dia de cada vez. 01 ano depois já conseguia sair com amigos, paquerar um pouco. As vezes via ele com a família. Cumprimentava, segurava o nó na garganta e seguia. Resolveu voltar a estudar. Mas não Filosofia. Foi para a Psicologia. 

Depois de cozido os brócolis, ela escorre e reserva a água. Com os brócolis frios, amassa bem com o garfo e reserva também. Refoga alho e cebola no azeite e coloca os brócolis amassados e duas pimentas de cheiro picadinhas. Coloca duas xícaras (chá) da água do cozimento. Acrescenta sal e vai colocando farinha de trigo e mexendo com a colher de pau até a massa desgrudar da panela.  Quando a massa desgruda, desliga o fogo e espera esfriar.

A massa vai esfriando, assim como foi esfriando o que sentia por André. Pedro chegou na vida dela e sem promessas foi lhe dando um dia de cada vez.  Amavam-se. Assistiam filmes, comiam comida boa, tomavam vinhos finos. Passeavam de moto, viajavam. Ela terminou a faculdade, ele começou a dele. E quando viram já estavam juntos há dez anos.

Então, em um dia, ela soube que André e Dora se separaram. 

Maria Rosa pega pequenas porções da massa de brócolis, recheia com mussarela e vai modelando os bolinhos na mão mesmo. Depois de modelados, bate um ovo, passa os bolinhos nele e depois na farinha de rosca. Coloca na geladeira e lembra que no dia que soube da separação de André e Dora foi o dia que se sentiu finalmente livre. Procura o que escreveu na sua agenda virtual naquele dia:

E foi tão bom quando tive que procurar seu rosto nas minhas lembranças. A sensação de que você não existe mais em mim foi perfeita. Mais um rosto dissipa-se nas brumas de minhas recordações. E depois de todo esse tempo olhar para mim sem ver você é um presente da vida. Por favor, dê lembranças minhas a sua solidão porque eu estou com viagem marcada para além das brumas, lá onde seus devaneios não me alcançam.

Maria Rosa olha cada palavra e lembra da felicidade que sentiu ao ver que a separação de André não teve nenhum efeito na sua vida. Não lhe deixou feliz e nem triste. Não importava. Não tinha mais nada a ver com a vida dela. E naquele dia, Pedro finalmente encontrou sua alma gêmea.

Maria Rosa frita os bolinhos, faz suco de melão e se se senta para jantar com Pedro, o seu segundo sol.

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