Contar histórias é uma das coisas que gosto de fazer. Contar um pouco da “minha história” é, digamos, um pouco mais complicado, um exercício desafiador.
Sou uma mulher negra. Sou mãe de duas lindezas, Nice de Fátima e Angelina de Lourdes. Sou a companheira de vida do Arlei. Sou filha da Fátima e do Ronaldo. Sou a irmã do Saulo, do Natanael, do Elioenai e do Jonathan. Sou cunhada da Leidia, da Mariléa e do Stefany. Sou tia do Pedro, da Heloisa, do Nathan, do Adriel, do Felipe e do Luis Gustavo. Sou nora da Dona Nice e do Seu João. Cunhada do João. Prima de um monte de gente linda. Sobrinha de tias maravilhosas. E assim vai… Mas também sou assistente social e professora universitária.
Nesses 16 anos de experiência profissional como assistente social, percorri muitos caminhos e nesses fui (re) construindo minha identidade profissional.
Nas palavras carinhosas da minha orientadora de Doutorado, fui aprendendo a lidar com “empreitadas envenenadas” na usina e na Fundação CASA.
Fui concretizando o meu traquejo político em meio a burocracia da Secretaria de Desenvolvimento Social e agora desenvolvendo minha diplomacia (nível hard) no espaço do ensino universitário.
Hoje, me vejo como uma assistente social que conhece dimensões diferentes do trabalho profissional e que continua acreditando que é possível o trabalho na perspectiva da garantia de direitos, da emancipação humana e da construção de outra ordem societária diferente da que está posta.
Sou uma mulher negra. Trago comigo a história de muitas mulheres. Empregadas domésticas, cozinheiras, amas, rezadeiras, quitandeiras, negras de ganho, guerreiras, enfim, negras mulheres que tingiram esse país com as cores de sua resistência, forjada no cotidiano de cada embate.
Recorro assim a ubuntu, um “conceito” sul-africano que em português poderia ser entendido a partir da idéia de “humanidade para com os outros”, ou mesmo “eu sou o que sou devido ao que todos nós somos”.
Dessa forma reconheço através da ética ubuntu, que pertenço a algo maior, que sou tão diminuída quanto meus semelhantes que são diminuídos, que sou tão reconhecida quanto meus semelhantes que são reconhecidos.
Nesse momento especial de minha vida, a idéia de ubuntu me ajuda a explicitar que eu sou apenas através de outros. Por isso, minha alma reverencia hoje, os olhos que junto comigo enxergaram as estrelas, os ouvidos que ouviram as mesmas canções que eu ouvi e as vozes que se uniram a minha para cantar canções de redenção e liberdade.
Acho que essa é a história que queria contar. Faltaram muitos fatos, emoções, sensações.
Como contista, recorro a Chicó, personagem célebre de Ariano Suassuna em O auto da Compadecida, e esclareço:
“Não sei, só sei que foi assim.”